quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Bexica Neurogênica e intestino Neurogênico

Bexiga Neurogênica
Crianças com bexiga neurogênica costumam apresentar perdas constantes de urina e muitas vezes não conseguem esvaziar todo o conteúdo da bexiga. O acúmulo de urina facilita o aparecimento e a multiplicação de bactérias. Se as defesas naturais da bexiga são quebradas, a criança pode desenvolver infecção urinária. As principais manifestações de infecção urinária são: alterações no aspecto da urina, febre, alteração do apetite e às vezes dor lombar. Algumas crianças com bexiga neurogênica apresentam refluxo de urina da bexiga para os rins, e, infecções repetidas associadas a refluxo podem, com o tempo, levar a sérios problemas renais.
A função básica da bexiga é armazenar a urina que é produzida pelos rins e eliminar esta urina quando sua capacidade é atingida. Para que isto aconteça existem mecanismos que permitem que a bexiga permaneça com pressão adequada durante toda a fase de enchimento, sem que ocorra perdas. A parede da bexiga é um músculo cuja função é relaxar durante o enchimento e contrair durante o esvaziamento.
A uretra possui também um músculo, o esfíncter uretral, que é responsável pela continência da urina na bexiga. Normalmente ocorre um funcionamento sinérgico entre a bexiga e a uretra, ou seja, durante o enchimento a musculatura da bexiga está relaxada para acomodar a urina proveniente dos rins enquanto o músculo do esfíncter da uretra está contraído para evitar a saída da urina coletada na bexiga. Ao contrário, quando a bexiga se contrai para eliminar o seu conteúdo, o esfíncter relaxa para permitir a eliminação da urina. Quando este trabalho não ocorre de maneira integrada, acontece o que se chama dissinergismo vésico-esfincteriano, situação que contribui para a ocorrência de complicações. Se a bexiga e o esfíncter se contraírem ao mesmo tempo haverá um esforço muito maior da musculatura da bexiga para conseguir vencer a resistência do músculo da uretra. Este esforço leva, com o tempo, a um enfraquecimento da parede da bexiga e a formação de divertículos que acumulam urina residual, diminuindo a resistência a infecções, favorecendo a formação de cálculos e o refluxo da urina da bexiga para os rins colocando em risco a função renal. Pode acontecer, também, do esfíncter uretral ser incompetente para conter a urina acumulada na bexiga e então a criança apresenta gotejamento constante de urina com piora aos esforços. Esta condição é chamada de incontinência.
Para que se possa realizar o tratamento adequado da bexiga neurogênica é necessário um diagnóstico correto do tipo de comportamento da bexiga e da uretra. A bexiga pode ser espástica e pequena ou flácida e grande dependendo do nível de envolvimento medular(Tabela 4). Nos dois tipos há perdas urinárias. Exames de imagem (Tabela 5) e o estudo urodinâmico auxiliam o diagnóstico. O estudo urodinâmico registra o comportamento da bexiga durante as fases de enchimento e esvaziamento indicando a pressão intra-vesical, a pressão de perda, o fluxo, e se há sinais de dissinergismo. Estes parâmetros auxiliam o estabelecimento de critérios de tratamento e acompanhamento. Exames de medicina nuclear (cintilografia renal ou cistografia isotópica) são utilizados em situações especiais quando se quer estudar melhor a função renal ou quando a criança tem alergia ao contraste utilizado para alguns exames radiológicos. Finalmente, alguns exames de laboratório são indicados como o exame de urina e a depuração de creatinina ou a dosagem de cistina C que permitem detectar infecção e avaliar a função renal. Estes exames são realizados periodicamente de acordo com a necessidade.
Tabela 4. Classificação da Bexiga Neurogênica
Tipo
Fisiopatologia
Características
Espástica
(Hiperreflexa)
Lesões acima de T12 ou do cone medular preservando os reflexos medulares para a bexigaCapacidade pequena
Contrações involuntárias rítmicas (hiperrrefléxicas) não efetivas
Grande tendência ao refluxo vésico-ureteral com rins aumentados de volume (hidronefrose)
Flácida
(Arreflexa)
Lesões ao nível de L1 ou abaixo, envolvendo o cone medular e a cauda eqüina
Os neurônios motores para a bexiga estão destruídos
Ausência de contração
Parede vesical distendida
Volume residual aumentado
A pressão vesical não é aumentada
Infecções frequentes causadas pela dificuldade de esvaziamento 
Tabela 5. Exames de Imagem para Estudo das Vias Urinárias
Ultra-som
Uretrocistografia
Urografia excretora
Tomografia computadorizada
Uro-ressonância
O tratamento da bexiga neurogênica visa basicamente a continência urinária, evitar infecções e preservar a função renal melhorando o prognóstico e favorecendo a integração social. O esvaziamento adequado da bexiga constitui a principal arma contra as complicações e o método mais utilizado para esvaziamento é o cateterismo intermitente. A técnica é simples e pode ser ensinada aos pais ou à própria criança dependendo da idade e do nível cognitivo. O cateterismo é um procedimento no qual é introduzido um catéter (tubo) limpo através da uretra, para esvaziar a bexiga, a cada 3 ou 4 horas durante o dia. Se mesmo com o cateterismo realizado adequadamente continua havendo perdas, existem medicações que interferem na contração ou no relaxamento da bexiga ou da uretra, que associadas ao cateterismo vão permitir melhores condições de armazenamento e esvaziamento. Estas medicações podem ser administradas por via oral ou às vezes dentro da bexiga com bastante segurança. Quando não há boa resposta ao tratamento clínico recorre-se a procedimentos cirúrgicos que auxiliam a continência da bexiga.
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Intestino Neurogênico
A interrupção da continuidade dos nervos determina, também, alterações do controle intestinal. Nas lesões de nível mais alto o distúrbio está, principalmente, relacionado com inatividade da parede intestinal e nas lesões mais baixas com incontinência. Em outras palavras, as crianças dependentes de cadeira de rodas são mais propensas à constipação crônica e as com paralisia apenas dos pés a eliminação acidental de fezes. Estas disfunções devem ser tratadas adequadamente, mas as condutas variam de acordo com o tipo de envolvimento (Tabela 6).
Tabela. 6 Desordens do Esfíncter Anal na Espinha Bífida
Tipo
Fisiopatologia
Características
Espástico

Reflexo cutâneo-anal positivo
Lesões acima de L2-L3
Bloqueio do controle dos neurônios motores superiores
Estabelecimento de um arco reflexo espástico abaixo do bloqueio
Relaxamento normal do esfíncter interno
Esfíncter externo espástico mantendo ânus fechado
O bolo fecal enche o reto até que a peristalse vença a resistência e force a passagem de parte do conteúdo
Alguns pacientes são capazes de sentir a peristalse retal (pré-defecação)
Tendência a constipação, megacolo e diarréia paradoxa
Perda da sensação da pré-defecação na presença de hiperdistensão do reto
Hipotônico com obstipação

Reflexo cutâneo-anal negativo
Mais observado nas lesões sacrais baixas
Interrupção dos neurônios motores e sensitivos inferiores antes de entrarem na medula
Perda da inervação autônoma do reto
Esfíncter anal externo fraco ou ausente
Críptas mucosas retais profundas facilmente visíveis
A parede do reto forma pregas (como uma sanfona) produzindo um efeito valvular com obstrução acima desta anormalidade (sentida ao toque).
Ausência da sensação da pre-defecação porque o reto não enche
Hipotônico com defecações frequentesLesões abaixo de L2-3
Bloqueio do neurônio motor inferior
O plexo autônomo do arco reflexo ano-retal pode estar intacto ou interrompido
Esfincter externo fraco com eliminação frequente de massas fecais de pequeno volume
Esfincter interno normal ou fraco
Críptas mucosas retais profundas facilmente visíveis
Qualquer esforço que aumenta a pressão intra-abdominal provoca eliminação das fezes presentes no reto
Ausência da sensação de reto cheio e da pré-defecação
Durante os primeiros anos de vida a incontinência fecal não é grande preocupação, mas é importante que as fezes sejam mantidas com consistência normal. Assim que a criança completar dois a três anos de idade o treinamento de controle das fezes deve ser iniciado. Os objetivos do tratamento são, principalmente, prevenir constipação e diarréia e controlar a incontinência.
Constipação é o acúmulo de fezes no colo (segmento do intestino grosso). Obstipação é uma constipação grave que determina dilatação do colo. Quando o colo está dilatado a diarréia por bypass (fezes líquidas intercaladas com fecalitos) é observada. A constipação grave pode evoluir para impactação que é o acúmulo de fezes endurecidas no colo causando obstrução. Esta condição manifesta-se clinicamente por vômitos, dor e distensão abdominal. A constipação deve, portanto, ser reconhecida e tratada antes que determine dilatação do colo.
Além das alterações de esfíncteres, outros fatores, como por exemplo pequena ingestão de líquidos, alto consumo de leite ou produtos de leite e pouca atividade física podem contribuir para o desenvolvimento de constipação na criança com espinha bífida. O melhor tratamento é uma dieta bem orientada se o colo ainda não estiver dilatado. Dependendo no nível da lesão (Tabela 6), um bolo fecal volumoso estimula a sensação de pré-defecação. Alimentos ricos em fibras tais como farinha integral, arroz integral, aveia, amendoim, castanha de cajú, feijão, lentilha, ervilha, milho e manga devem ser recomendados, porque produzem bolo fecal volumoso. Os alimentos constipantes como por exemplo pão branco, arroz branco, leite semi-desnatado, ovo cozido, cenoura cozida, maçã, banana e gelatina devem ser evitados. O volume de líquidos ingeridos nas 24 horas é tão importante quanto a dieta e em muitas situações, esta medida por si é suficiente para eliminar a constipação.
Na presença de megacolo, o programa de treinamento para controle fecal deve ser suspenso e iniciado o recondicionamento intestinal com dieta pobre em resíduos (crackers, purê de batatas, suco de frutas, carne de frango e peixe), óleo mineral oral e enemas de óleo mineral. Em quatro a seis semanas o recondicionamento do megacolo pode ser descontinuado e reinicia-se a dieta para prevenir constipação. Dependendo do grau de dilatação do colo ou quando não há resposta às medidas iniciais, é conveniente que a criança seja avaliada por um especialista em gastroenterologia infantil para orientação mais segura quanto ao tratamento.
As crianças que não desenvolveram megacolo ou que tiveram megacolo tratado, se em idade adequada, podem iniciar o treinamento de controle fecal. O horário para o esvaziamento intestinal deve ser sempre o mesmo e a hora mais conveniente deve ser definida pela família ou pela própria criança, de preferência cerca de 30 minutos após uma refeição reforçada. A criança deve ser colocada no vaso, por cinco a 10 minutos, com os quadrís fletidos, coxas pressionando o abdome e os pés apoiados em uma superfície firme. Havendo algum tônus anal e se a dieta for adequada a aquisição do controle fecal é quase certa. Se as orientações apresentadas não forem efetivas, a utilização de recursos tais como medicações laxativas, estimulação digital com luvas, supositórios e enemas serão necessários. Todos estes procedimentos devem ser orientados pelo médico.

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